quinta-feira, 24 de junho de 2010

A verdade dói... (um excerto)



(Há uns 12 anos atrás comecei a escrever uma "história", há dois anos tentei terminar, mas infelizmente coincidiu com uma triste perda na minha vida, agora, vou tentar mais uma vez... Deixo um excerto com 12 anos de idade, corrigido pelas noções do hoje...
Quaisquer comentários serão muito apreciados.


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Fernando estava deitado na cama com a fotografia de Bianca numa mão e a carta na outra, nem tinha a certeza de que a queria ler, naquele momento não sabia se queria saber o que se passava com ela mas também não podia deixar o assunto pendente. Então fechou os olhos pensou nos momentos bons que tinham vivido juntos, no último beijo e que afinal não seria nada de mais... Abriu os olhos e rasgou o envelope, retirou lá de dentro a folha que continha o que ele esperava ser a resolução dos seus problemas, e começou a ler:

Coimbra, 6 de Novembro de 1998
Fernando:

Tinha escrito uma carta com duas palavras para ti, mas pensei bem e achei que merecias mais, maior consideração, e então joguei a outra carta fora e comecei a escrever esta. Mas está descansado que vais saber exactamente quais eram as palavras que estavam na outra.
Há certas coisas que eu te devia dizer, mas não é algo que se escreva, é preciso dizer cara-a-cara e como agora não sou capaz de te enfrentar nem de te olhar nos olhos não o faço.
Nunca tive jeito para escrever, tu tens, consegues fazer algo que poucas pessoas são: emanar para o papel os teus sentimentos, nunca desperdices esse dom...
Sem arrastar mais vou terminar esta carta com as tais palavras e dizendo também uma coisa que pode parecer um discurso melodramático, mas não o é. È sim um conselho obrigatório a seguir: Sê feliz e não te feches aos outros como eu estou a fazer (um dia compreenderás tudo isto).
ESQUECE-ME e ESQUECE-NOS. – Eram estas as palavras. Se ainda não entendes-te eu explico-te: tu não és para mim, pois eu não te mereço. PROCURA QUEM TE MEREÇA. Só me resta pedir-te desculpa por ter levado isto tão longe, acredita que não queria ferir sentimentos. Desculpa.
Adeus e até sempre.
P.S.- Nunca te esqueças: Eu adoro-te!

Nem queria acreditar, apesar daquilo que ela tinha feito não estava de todo à espera daquilo. Como era ela capaz? Ele não queria entender tudo “um dia” queria-a entender “agora”.
O que se passaria com ela, por muito que tentasse não conseguia perceber. Então fechou os olhos e forçou-se a dormir queria apenas esquecer as cruéis palavras naquela fatídica carta, mas a imagem da pessoa, que se alguma vez tivesse amado a sério seria a ela, não parava de o atormentar.
Sentiu-se desesperado, não podia ficar ali nem mais um minuto tinha que ir dar uma volta para espairecer, sentia necessidade de deambular pelas ruas como não fazia já há tempos.
Saltou da cama e sem pensar em mais nada saiu de casa.
À porta cruzou-se com a mãe, mas nem a olhou na cara, ela ainda lhe gritou:
–Fernando anda cá que preciso de falar contigo.
Mas ele nem vacilou e continuou a andar no seu ritmo acelerado.
Andou, andou até chegar a um jardim em frente a casa da sua princesa e ali ficou a olhar a janela do seu quarto como se na esperança de a ver lá. Depois conformou-se e voltou para casa.
Quando chegou a casa abriu a porta devagar, não queria que a mãe acordasse se já estivesse a dormir, ele pelo menos esperava que sim...
Ao chegar à sala viu a mãe sentada no sofá. Ao ver a cara de reprovação dela apressou-se a dizer:
–Não estou com cabeça para te ouvir e vou-me deitar!
–Ouve lá, por teres problemas não tens que maltratar os outros, todos têm. Disse ela num tom que o assustou pois nunca o tinha ouvido antes.
Porém isso não o deteve e seguiu para o seu abrigo. Fechou a porta à chave, deitou-se na cama e esperou que o sono o invadisse.
Não teve de esperar muito...
Na manhã seguinte foi acordado pelo som do telefone, se fosse noutra altura tinha corrido a atender, mas como tinha quase a certeza que não era a Bianca nem se dava ao trabalho de se levantar, depois de tocar quatro vezes parou. A mãe tinha atendido, ainda bem, até podia ser algo importante. _pensou ele.
Olhou para o relógio eram nove e quinze, tinha que se despachar pois tinha aulas dali a meia hora. Tomou um duche rápido, vestiu-se e foi tomar o pequeno almoço, enquanto o preparava notou num papel em cima da mesa, uma mensagem da mãe:

"Fernando fui à casa da D. Margarida porque ela me telefonou a pedir que eu passasse por lá porque queriam falar comigo.
Vê se não te atrasas para as aulas, já tens um monte de faltas. Para o almoço está uma pizza no frigorifico. Adeus. Um beijo."

Que raio podia querer a D. Margarida, bem, mas ele já não queria saber. Comeu e sem grande vontade lá foi para a escola.
Durante o dia as horas teimavam em não querer passar, mas finalmente ouviu o toque de saída. Sem paragens lá foi ele a arrastar-se para casa. Ao lá chegar viu algo de estranho, o carro do pai à porta, não era normal vê-lo ali ele só o visitava pelos anos e pelo natal. Mas com o que lhe estava a acontecer ultimamente...
Já lá dentro viu os pais juntos a conversar, um cenário estranho que já não via há tempo.
Realmente tinha que se passar algo, algo de importante, o pai não faria aquela viagem só por acaso, e nem era dia de festa, ninguém fazia anos nem nada. Será que a mãe o tinha chamado por causa da sua indisciplina? Não, não podia ser, ele já tinha por vezes feito pior e o pai nem tinha ficado a saber.
–Olá pai._ disse ele a chegar-se ao pé do sofá.
Então o pai que só na altura deu pela presença do filho levantou-se e olhou-o com uma cara de tristeza.
Fernando pensou: –Aí vem bronca, vou apanhar seca...
Mas antes que pudesse voltar a pensar fosse o que fosse o pai abraçou-o, um gesto que nunca tinha feito antes, pelo menos daquela maneira não.
Fernando assustou-se e repeliu o pai com os braços, não estava habituado àquele tipo de carinho por parte de ninguém, muito menos do pai.
–O quê é que se passa? _perguntou assustado.
–Fernando, só queremos que saibas que apesar de tudo gostamos muito de ti. _disse o pai num tom de premonição a desgraça. -O quê é que se passa? Já perguntei.
–Fernando antes de mais tens que prometer que não fazes nenhuma estupidez. _pediu a mãe.
–Mas que raio, vão-me dizer ou não? _gritou ele.
–Está bem tem calma, a tua mãe chamou-me porque achou que era melhor falarmos os dois contigo…
–Já estás a enrolar outra vez. _interrompeu o filho desta vez mais calmo.
–Sim tens razão, vamos directos ao assunto senta-te no sofá que eu explico-te tudo. _atalhou a mãe.
E assim o fez, sentou-se no pequeno sofá em frente dos pais sempre sob o olhar deles.
–Sabes hoje fui à casa da D. Margarida, ela tinha-me pedido para passar por lá.
–Sim eu sei, eu vi o bilhete.
–Tenho ali uma carta da Bianca para ti.
–Há é só isso, as cartas dela já não me afectam, não te preocupes, já estou calejado, já me chateei o que me tinha a chatear e daqui já não passa.
–Não Fernando é muito mais do que isso, mas peço-te que não faças nenhuma estupidez .
–Mãe…
–Está bem, hoje estive na casa da D. Margarida a falar com a Bianca.
–Com a Bianca? _Inquiriu incrédulo. Mas ela tinha aulas hoje, devia estar em Coimbra.
–Sim, mas ela estava cá e já não anda na universidade, anulou a matricula.
–O quê? Ela está em casa agora? Quero falar com ela!
–Não voltou para Coimbra.
–Voltou para Coimbra? Não estou a perceber nada. Então se ela já não está a estudar lá.
–Sim, mas ela vai ficar a morar lá, não sabe até quando.
O pai permanecia apenas um espectador atento a todo aquele melodrama.
–Porquê? _perguntou quase desesperado.
–Quando leres a carta vais entender tudo muito melhor...
–Então dá-me lá a carta. _disse ele num tom de voz que seria de ordem não estivesse a falar com a mãe.
–Está bem. _disse ela tirando-a da mala. Mas antes ainda tenho que te dizer uma coisa.
–Diz lá então! _insistiu ele.
–A Bianca pede muitas desculpas, ela queria-te dizer pessoalmente , mas não conseguiu, ela disse que não seria capaz de olhar para ti e falar contigo, tu não sabes como ela está a sofrer…
–COMO ELA ESTÁ A SOFRER? Não acredito. Será que ela pensa no que eu sinto, afinal tudo isto é culpa dela, foi ela que começou a fugir de mim e continua a fugir. _gritou ele com a raiva a proferir-lhe as palavras.
–A Bianca está doente. _disse o pai sem levantar os olhos, não teve coragem para olhar os olhos do filho que entretanto se levantara à sua frente.
–Doente? Doente como?
–A Bianca tem uma doença incurável. _disse a mãe com a frontalidade que ele requeria.
–Incurável?
E deixou-se cair no sofá, sem força para continuar de pé.
Fez-se um silêncio sepulcral.
Fernando sentiu naquele momento o mundo a desabar sobre ele, e ele sem força para segurar uma pequena pedra que fosse.
Depois ouviu-se umas palavras trémulas vindas daquela alma rasgada e desfeita:
–E é?... É?...
–Sim é!..._a mãe também não teve coragem para pronunciar a tal palavra. Está numa fase avançada, tem cerca de dois a três meses de vida.
–NÃO! _gritou ele com todos os sentimentos a cruzarem-lhe o coração ao mesmo tempo.
–Fernando tem calma. _pediu o pai.
Mas este nem o ouviu, agarrou na carta e trancou-se no quarto. Deitou-se na cama e começou a chorar, as lágrimas lavaram-lhe o rosto, mas o que lhe lavaria a alma que de súbito tinha ficado negra de tanta tristeza.
Tudo aquilo não tinha uma razão de ser, Bianca nunca tinha mostrado sinais de doença, quanto mais assim tão grave.
A carta! De repente lembrou-se da carta que segurava com tanta força. Com as mãos trémulas abriu o envelope com tanta delicadeza como se estivesse a segurar o bem mais precioso e delicado do mundo.
Ao retirar as folhas lá de dentro reparou logo numa fotografia dos dois que tinha sido tirada no baile de finalistas, ele já nem se lembrava que tal fotografia existia. Virou-a e leu a dedicatória:

Fernando:
Nunca te esqueças de mim, de ti e de nós.
Beijos desta rapariga que nunca se
esquecerá dos bons tempos que passámos juntos.

BIANCA
A tua princesa

Pousou a fotografia desdobrou as folhas e começou a ler:
Fernando:
Desculpa-me por tudo, desculpa-me pela outra carta , por não atender os teus telefonemas, mas não queria que sofresses mais do que o necessário nem antes do necessário, mas foi estupidez da minha parte devia ter-te dito logo.
Por esta altura já sabes o que se passa comigo, penso que a tua mãe já te disse, pedi-lhe para que esta carta não fosse tão seca... Tudo começou quando fui fazer os tais exames para a faculdade, encontraram lá algo de estranho e pediram-me para fazer mais uns e acabaram por descobrir a tal maldita doença tão rara que eu nem a estudaria, nem sei pronunciar o nome, também vendo bem, de que vale saber o nome se o importante é que tenho tão pouco tempo de vida.
Sabes Fernando, por ironia do destino quando chegamos perto da morte é que descobrimos a vida. A morte não me assusta, mentalizei-me que a minha vai chegar mais cedo, só isso, mas por outro lado o sofrimento isso sim já me preocupa, principalmente o teu. Não queria que sofresses por causa de mim, por isso é que não queria que soubesses.
Vou continuar a morar no apartamento em Coimbra, não suportaria ver as caras das pessoas daí a olhar-me com uma expressão a dizer: Condenada!
Ao menos aqui as pessoas quase não me conhecem e as minhas ex-colegas tratam-me de maneira a que eu não me sinta mal, digamos que eu sou o seu primeiro paciente em fase terminal. Apesar da minha situação ainda tenho sentido de humor, hem?...
Desculpa não te querer ver, mas quero-te recordar feliz, não a olhar para mim com tristeza.
Na realidade és a melhor recordação que eu vou levar desta vida que não foi meiga comigo, e não estou a dizer isto para que me perdoes pelo que eu te fiz nem por algo do género, não preciso disso, daqui a pouco tempo tudo estará acabado para mim.
Tenho muita pena de não ter tempo para fazer certas coisas que tinha planeado, sonhos de uma vida sabes?
É esquisito não se poder dizer coisas do tipo: “No próximo verão vou outra vez para o Algarve com os meus pais” ou “para o próximo ano repetimos”, o o dizer, "quero ficar contigo para sempre"...
É triste saber que pior que gostarmos de alguém, mas não estarmos juntos por não sermos correspondidos é gostar de alguém, sermos correspondidos, mas não podermos estar juntos porque o destino decidiu oferecer-me esta doença.
Foste a melhor coisa que me aconteceu na vida.
Adeus e até sempre.
Amo-te...

BIANCA


As lágrimas não paravam de lhe correr dos olhos...

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Tenshi
Grândola
Lost track of the timeline ...